No filme O Diabo Veste Prada, de 2006, a atriz americana Meryl Streep encarna Miranda Priestly, uma temida e intransigente editora de moda. Com mão de ferro e uma grande capacidade de criar polêmicas, a personagem dita tendências e influencia os rumos do setor. Dessa forma, o longa-metragem reconstruiu na telona uma realidade que perdurou por décadas nesse mercado: a de que um grupo seleto de pessoas e marcas, dotado de poder econômico e social, poderia influenciar milhões de consumidores, especialmente as mulheres, mostrando o que deve ou não fazer parte do guarda-roupa delas. Com o fortalecimento das redes sociais, no entanto, a situação é outra, o que provoca mudanças importantes nas estratégias de comunicação e marketing dos envolvidos na cadeia de negócios.
Hoje, para sobressair no cenário fashion, que só no Brasil deve movimentar mais de R$ 100 bilhões em 2012, segundo o Ibope, a opinião de uma só publicação especializada, como foi retratado no filme estrelado pela vencedora do Oscar deste ano, com A Dama de Ferro, não basta. É necessário também lidar com um exército de blogueiras, que podem referendar – ou não – o “look” do momento. A influência das internautas nesse processo cresceu tanto que já motiva a criação de diferentes modelos de negócio e, como consequência, abre espaço para empreendedoras que conhecem a lógica de funcionamento das redes. É o caso da empresária paulistana Alice Ferraz, hoje o principal nome do País do mercado digital fashion e que, pela sua influência e personalidade forte, é chamada no setor de a Miranda Priestly da internet brasileira.
Ela é sócia-fundadora do Grupo F, composto por empresas de relações públicas e produções para grifes, entre outros negócios nessa área. Em 2010, Alice criou a rede F*Hits, que hoje reúne 25 blogs, incluindo o seu. O F*Hits se apresenta como “a primeira prime network de moda do Brasil”, com conteúdo, produtos e serviços destinados a um público feminino de alto poder aquisitivo. A rede se desenvolveu e conta, desde janeiro, com uma plataforma própria de comércio eletrônico, o F*Hits Shops, cujo acesso é restrito. Ela funciona da seguinte forma: para acessá-la, a consumidora deve preencher um cadastro com informações sobre seu manequim. Se usar roupas menores que o tamanho 46, a candidata tem chances de ser aceita.
Em outras palavras, não basta ter dinheiro no bolso, a pessoa precisa antes ser aprovada pelo F*Hits Shops. “Encontrei a mulher do Pedro Grandene, vice-presidente da Grandene, que me falou que estava desesperada porque não havia sido aprovada”, diz Alice. “Falei para a minha equipe: ‘Pelo amor de Deus, aprovem a entrada dela!’.” Segundo a empresária, o sistema de aprovação foi “escolhido para não prejudicar a qualidade do atendimento”. Ela diz ter hoje 50 mil clientes aceitos e uma lista de espera duas vezes maior. As ofertas do F*Hits Shops são todas temporárias e sempre compõem um “look”. A plataforma de varejo virtual é o primeiro resultado concreto da sociedade formada por Alice e o grupo RBS, que montou a infraestrutura e cuida da logística de comércio eletrônico.
O acordo foi firmado em 2011, um ano depois do lançamento do F*Hits. O plano de negócios prevê que a holding gaúcha seja sócia majoritária em cinco anos. Antes disso, em maio, deve ser lançado o F*Hits Home, focado em artigos para casa. – o nome é provisório, pois uma numeróloga vai analisar se essa é a melhor opção para a empreitada alcançar o sucesso. Há a intenção também de construir uma rede de moda masculina para gays e heterossexuais. No entanto, a onda dos blogs de moda, da qual a F*Hits se beneficia, também tem o seu calcanhar de aquiles. Isso porque uma das razões para as blogueiras – não só as dessa rede – terem virado vedetes das grifes se deve a uma prática questionável do ponto de vista ético: os patrocínios a posts, que chegam ao leitor como se fossem dicas pessoais descompromissadas, quando na verdade são uma forma disfarçada de publicidade. Alice não vê problemas nisso.
“Posso fazer um desafio: quero ver alguma blogueira vestir uma roupa de que não gosta só porque alguém está pagando”, afirma. “Elas escolhem marcas de que gostam e as marcas as escolhem. No começo isso era polêmico, mas agora as pessoas entenderam que isso não é jornalismo.” A blogueira Carla Lemos, do canal Modices, integrante da rede F*Hits, adota esse expediente, mas diz informar seus leitores que determinado texto é um informe publicitário. O detalhe é que o aviso é colocado discretamente no rodapé do post. “Fui meio resistente a fazer publieditoriais, mas é uma demanda do mercado”, afirma Carla, que diz ter dez mil visitantes únicos por dia em seu site. A relação comercial entre blogs e marcas de moda chega ao ponto de algumas empresas enviarem textos prontos para as blogueiras postarem.
A busca por diferenciação na blogosfera também pode gerar ações que arranham a imagem das marcas. A Melissa, por exemplo, teve uma campanha tão malsucedida que o termo #melissafail ficou entre os mais citados do Twitter no dia 8 de fevereiro, superando até mesmo o termo #Wando, cantor que morreu naquele dia. A marca de sandálias resolveu enviar as blogueiras Camila Coutinho e Lalá Noleto, do grupo da F*Hits, para cobrir a inauguração da uma filial da empresa em Nova York. As dores de cabeça surgiram quando vieram à tona posts antigos de Camila, que não é usuária de produtos da companhia, com críticas à Melissa. “Não uso plástico no pé”, escreveu. Resultado: decepcionadas, muitas “melisseiras”, o modo como são conhecidas as blogueiras que espontaneamente divulgam os produtos da empresa em seus blogs, sentiram-se preteridas por não terem sido convidadas pela campanha e, assim, deixaram de apoiar a marca.
Houve até quem mudasse o nome de seus blogs, retirando qualquer menção ao nome Melissa. “A gente falhou em não ter levado uma melisseira”, diz Paulo Pedó Filho, gerente de marketing da Melissa. “O caso foi positivo, uma espécie de aprendizado, pois nos abriu os olhos para a necessidade de tratar melhor esse público.” O segredo para evitar esse tipo de revés é ser seletivo, afirma Julia Petit, uma das pioneiras na prática de negócios com blogs de moda no Brasil e apresentadora do canal de tevê paga GNT. Com média de dez anunciantes, o Petiscos faturou R$ 1,3 milhão em 2011. Ela estreou o blog Petiscos em 2007 oferecendo publieditorial, anúncio na imagem de fundo e conteúdo de blogs para outras marcas, entre outros serviços. Segundo Julia, o que é de caráter publicitário fica explícito para os internautas. “As pessoas aceitam bem esse tipo de ação quando o produto tem a ver com o conteúdo”, diz Julia.
Fonte: Isto é Dinheiro
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